23/05/2008

16 | LOCALIZAÇÃO E 'PODER SOCIAL'

Quanto mais conectado é o mundo, menor ele é, porém mais potente socialmente ele é (small is powerful).

Na seção anterior mostrei que quanto mais conectado é um mundo, quanto mais caminhos existirem entre seus elementos (nodos de uma rede, necessariamente, se o número de conexões ou caminhos entre eles for maior do que 1 e se o número total desses elementos for maior do que 2), menor ele é.

Agora passo a comentar a proposição segundo a qual quanto mais conectado é o mundo, menor ele é, porém mais potente socialmente ele é (small is powerful).

Vimos que, do ponto de vista do padrão de organização, as hierarquias aumentam o ‘tamanho do mundo’, enquanto as redes diminuem. Desse ponto de vista, ‘mundo pequeno’ é sinônimo de mundo muito conectado.

Agora vamos ver que quanto mais conectado é o mundo, mais potente socialmente ele é. Small is powerful. Se quanto maior a tessitura social, ou seja, quanto mais conexões ou caminhos puderem ser estabelecidos, menor o ‘tamanho do mundo’, então ‘pequeno’, do ponto de vista (e por força) de uma alta “tramatura” do tecido social, é uma força poderosíssima.

Por quê? Porque quanto mais caminhos existirem, mais possibilidades existirão de um pequeno estímulo, proveniente de qualquer lugar do mundo, se propagar e se amplificar por “reverberação”, por feedback positivo, i.e., por laços de realimentação de reforço, atingindo o mundo todo. Ora, isso significa, por um lado, que os elementos do mundo (os nodos da rede) terão mais chances de verem suas idéias – ou os seus “memes” – se replicarem; ou seja, eles estarão mais empoderados. Mas significa também, por outro lado, em primeiro lugar, que é o sistema como um todo que empodera seus componentes e, em segundo lugar, que tal sistema funciona como amplificador e macroprocessador dos estímulos recebidos/emitidos por seus componentes.

Vamos ver primeiro o primeiro lado da questão. Lanço mão aqui da poderosa metáfora aventada por Richard Dawkins em 1976 (em “O gene egoísta”) e brilhantemente comentada por Daniel Dennett, sobretudo em 1995 (em “A perigosa idéia de Darwin”), como um recurso lateral de argumentação.

A idéia de que haveria uma unidade auto-replicadora, análoga ao gene, chamada “meme”, é instigante. Não tenho certeza se seria possível construir uma “teoria memética” com status de teoria científica, como a genética. E também não tenho certeza se comprar a idéia de “meme” (ou o “meme” de ‘meme’) implica ter que assumir também a visão neodarwinista, da qual discordo bastante (1). Desconfio que a ideologia que vem junto no pacote (segundo a qual os “memes” se propagariam por “replicação egoísta”, disputando o tempo todo entre si pelos cérebros que vão parasitar ou infectar viroticamente) possa ser espancada sem que, com isso, precisemos abrir mão da hipótese de que existem replicadores independentes, ou melhor – a meu ver – inter-dependentes, (“softwares culturais”) capazes de instruir comportamentos (tal como os genes são capazes de instruir a síntese de proteínas).

Ao evocar a idéia de “meme” quero colocar a questão de que cada elemento do mundo (ou nodo da rede) influi no mundo a partir da afirmação da sua própria maneira de ser/estar/receber-processar-devolver estímulos/interagir em suma, e que quanto mais essa maneira puder ser copiada (provavelmente por imitação – e é a isso que se chama, no caso dos “memes”, de replicação) por outros nodos, maior será o poder (como medida da capacidade) desse elemento de influir no comportamento dos outros elementos do mundo.

Essa concepção de ‘poder’ como capacidade de afirmar sua própria forma de ser, ainda que não seja incompatível com uma concepção shimittiana da política e com outros realismos políticos, traz, obviamente, muitos outros problemas ao deslocar o sentido relacional do conceito de poder para identificá-lo com alguma coisa que possa conotar capacidade intrínseca de um sujeito de agir sobre outros, fazendo, por exemplo, como sugerem à primeira vista as teorias dos “memes”, com que suas idéias prevaleçam sobre as idéias dos outros (conquanto nessas teorias o sujeito não tenha necessariamente consciência disso, haja vista que os “memes” seriam auto-replicadores independentes e, assim, eles é que seriam egoístas – e não nós, os humanos, seus hospedeiros). Este, porém, não é o nosso tema agora (2).

Em todo caso, as teorias de inspiração neodarwinista que admitem a hipótese dos “memes” poderiam talvez ser refeitas a partir da idéia de que essas unidades auto-replicadoras independentes na verdade são unidades replicadoras interdependentes que só se configuram e replicam em um processo de interação com o meio. (Para tanto, valeria a pena confrontar as idéias de Dawkins com as idéias de Maturana) (3).

Dessarte, ninguém é “dono” de uma idéia, mas não porque seja a idéia, autonomizada, que o possui (como querem os adeptos da tese do “virus in the mind”) e sim porque as idéias são geradas em um indivíduo e reproduzidas no meio em um processo de troca permanente entre o indivíduo e o meio (os outros indivíduos). Além disso, nesse processo as idéias (ou os “memes”) se combinam, recombinam e se modificam – como uma tela exposta no hall de um cinema que é pintada por todos os expectadores que entram, cada qual dando apenas umas poucas pinceladas; ou como um texto publicado na Internet para ser re-escrito a muitas mãos – de tal sorte que não é possível identificar exatamente quais foram seus “autores” – nem em que medida o resultado final estava nos “planos originais” (supondo que pudesse haver um ponto de partida, ou seja, uma idéia que não tivesse nascido de combinações de outras idéias).

De um certo ponto de vista, parece que as idéias se polinizam mutuamente. Já de outro ponto de vista, parece que as idéias brotam ou emergem (ou imergem?) em complexos. É por isso que, como dizia Thompson em 1987 (no Prefácio de “Gaia: uma teoria do conhecimento”), “as idéias, da mesma forma que as uvas, crescem em cachos. As pessoas gostam de se agregar pelo simples fato de sentir que, na videira, suas idéias se tornam mais completas e mais enriquecidas” e são, freqüentemente, o resultado do “trabalho de uma comunidade intelectual que reflete as idéias, reuniões, discussões, cartas e comunicações... acontecidas a partir do momento em que cada um de seus membros reconhece que o seu trabalho está sendo descrito e desenvolvido não mais individualmente, mas por outros colegas” (4).

De outro ponto de vista, ainda, parece que “as idéias estão no ar”. Alguém as “capta” em certo momento e às vezes várias pessoas “captam” simultaneamente a mesma idéia (por exemplo, Newton e Leibnitz ao conceberem simultaneamente o cálculo infinitesimal). De qualquer modo, esse também não é o nosso tema; não, pelo menos, agora (5).

O que eu quero dizer, em suma, lançando mão de uma comparação extrema, é que um jovem de 16 anos em Durnovaria, na Britânia do ano 480, não tinha a milionésima parte do “poder” que tem um internauta (sobretudo se for um hacker) de mesma idade em Dorchester, na Inglaterra de hoje. Muito além disso, porém, e para não ser tão extremo assim, o que eu quero dizer – bem mais na linha de pensamento de Maturana do que na de Dawkins – é que as idéias (genericamente, os softwares que instruem comportamentos) são blocos que se formam e se reforçam como unidades relativamente autônomas em virtude de circularidades inerentes às conversações predominantes ou recorrentes em um determinado meio e daí conformam um padrão capaz de se propagar como se fosse por si mesmo para outros meios à medida que os indivíduos que o “possuem” (ou são por ele “possuídos”) o replicam sem intenção de fazê-lo, pelo simples fato de serem como são. (Não devemos esquecer aqui, como nos ensinou há décadas Norbert Wiener, que “um padrão é uma mensagem e pode ser transmitido como tal”). E que esse poder (ou essa capacidade de propagação) é tanto maior quanto menor for o mundo no sentido de ser mais tramado.

Comunidades de pensamento são mundos pequenos, quer dizer, mundos com alta “tramatura” social e é por isso que as idéias “crescem em cachos” em tais comunidades e saltam delas para o ambiente exterior com mais facilidade. Comunidades de qualquer natureza (ou mundo pequenos, em geral) são usinas de padrões de comportamento (seqüências “meméticas” que se replicam e que – aqui está a “x” da questão em termos de um paralelo com as teorias evolutivas neodarwinistas – ao se replicarem podem se modificar) (6). Um comportamento assim “usinado” tem alto poder de replicação.

Pois bem. O que tudo isso tem a ver com a nossa hipótese, segundo a qual quanto mais conectado (quanto mais small no sentido dos ‘small-worlds’) é o mundo, mais potente socialmente ele é (small is powerful)?

Para dar uma resposta a essa pergunta temos que definir o que entendemos por “potente socialmente”, um “poder” que nasce da configuração particular de um sistema social. Não se trata do poder de um sistema de obrigar ou compelir outros sistemas a adotarem comportamentos, desejáveis pelo primeiro e contra a vontade dos segundos, em virtude da sua capacidade de destruí-los ou de prejudicá-los de alguma forma – em geral pelo uso da força ou pela ameaça explicita do uso da força ou pela ameaça implícita, como dissuasão exercida sobre os segundos (que evita comportamentos indesejáveis ao primeiro) baseada em demonstrações específicas ou genéricas de força. Esse, em geral, é o poder, regido ou não por lei, dos Estados e de outras organizações piramidais e internamente autocráticas (como corporações e sociedades privadas de diferentes naturezas, compreendendo até organizações criminosas como a Máfia). Poder-se-ia dizer que, ao contrário, o “poder social” é um poder de induzir comportamentos coletivos em virtude da capacidade de exportar padrões de comportamento que são adotados por imitação e sem violência, o que parece óbvio. Trata-se portanto, como sugeriu o próprio Dawkins em 1986 (em “O relojoeiro cego”), de um “poder replicador” – mas sinto que ainda não é bem isso (7).

Pegando agora o segundo lado da questão vamos ver que, em primeiro lugar, é o sistema como um todo que confere esse tipo de poder aos seus componentes – e isso está longe de ser trivial em face das concepções correntes: examine-se, por exemplo, um pressuposto (talvez o principal) da ideologia chamada de ciência econômica, segundo o qual o comportamento das sociedades pode ser explicado a partir do comportamento dos indivíduos, sendo esse último comportamento basicamente egoísta e que tudo o mais decorre daí, inclusive a separação entre fortes e fracos que está na raiz do poder político; e, em segundo lugar, que tal sistema funciona como amplificador dos estímulos recebidos/emitidos por seus componentes, vale dizer, como uma espécie de processador capaz de realizar múltiplas operações em paralelo simultaneamente por meio de seus componentes.

Talvez esteja aqui pelo menos uma parte da explicação para os processos de inteligência coletiva. Como percebeu Joël de Rosnay em 1995 (em “O homem simbiótico”), “um dos pontos fundamentais da ação em rede... [é que] milhares de agentes atuando em paralelo, a partir de regras simples, podem resolver coletivamente problemas complexos... [e que] enquanto as grandes manifestações públicas mostram que as multidões estão longe de dar prova de uma inteligência significativa, determinados sistemas adaptados de retroação societal podem fazer emergir uma inteligência coletiva superior à dos indivíduos isolados”. Mas esse, conquanto apaixonante, ainda não é o nosso tema no momento (8).

Vimos até agora que dizer que small is powerful significa dizer que o mundo pequeno (no sentido de muito tramado socialmente) é mais empoderante de seus componentes do que o mundo grande e que ele tem mais capacidade de usinar softwares que instruem a construção de comportamentos e de replicar tais programas. Porém, muito além disso tudo, significa dizer que uma mudança de comportamento, mesmo periférica, ensaiada no mundo pequeno, tem mais chances de se propagar para o sistema como um todo afetando o comportamento dos outros agentes que o compõem. Ou seja, mundos pequenos são mundos mais susceptíveis à mudança social do que mundos grandes.

Ora, se interpretarmos (pelo menos algum tipo ou classe de) mudança social como desenvolvimento, então mundos pequenos são mundos mais aptos a experimentarem (isso que interpretamos como) desenvolvimento do que mundos grandes. Esse tema é extremamente importante e voltaremos a ele mais adiante. Por enquanto é bom dizer que “poder social”, nesse particular sentido, pode ser encarado como capacidade de desenvolvimento – entendido esse último não como qualquer crescimento (e. g., da variável econômica – o PIB –, ou de outra variável qualquer: humana, social, ambiental etc.), mas como movimento sinérgico; em suma, como o que se chama, um pouco redundantemente, de ‘desenvolvimento sustentável’ (e entendendo sustentabilidade como função de integração e conservação da adaptação). Temos assim uma concepção de “poder social” como capacidade de mudança social sustentável, como “aptidão” ou adaptabilidade de um sistema para realizar uma coreografia estrutural que garanta a sua co-evolução com o meio, como vocação para a sinergia, para construir e reconstruir, continuamente, congruências múltiplas e recíprocas com o meio... Isso tudo também é muito apaixonante, mas por ora vamos ficar por aqui, uma vez que o assunto será tratado no epílogo deste livro.

Quando tornamos pequeno um mundo pela localização aumentamos o seu “poder social”. É como se concentrássemos esse poder, incrementando o valor de variáveis como freqüência ou velocidade de processamento, possibilitando mais feedbacks, mais laços de retroalimentação capazes de amplificar estímulos, por pequenos que sejam. Um mundo localizado é um mundo onde ocorreu uma espécie de big crunch social que (ao contrário do modelo do big bang cosmogônico) diminuiu drasticamente as distâncias!

Tal redução das distâncias muda a qualidade dos fenômenos que ocorrem no “meio social” porquanto altera propriedades desse meio (como a isotropia, por exemplo). Pode-se dizer que a sociedade torna-se mais “social” no sentido de que aumenta o seu “poder social” – ou seja, o meio torna-se mais condutor, mais favorável à replicação – à medida que sua tessitura aumenta e, portanto, que seu tamanho diminui. É possível que a partir de certo grau de tessitura (ou de certo tamanho de mundo) surja o que chamamos de comunidade. Altos graus de tessitura podem possibilitar a ocorrência de um fenômeno novo, que chamei, em outro lugar, de comunalidade (9).

Para que isso aconteça, como parece óbvio, é necessário que os sistemas em questão estejam afastados do estado de equilíbrio (senão não poderão mutar), mas é necessário também que sejam sistemas estáveis. Sistemas conformados, por exemplo, por pessoas em filas de ônibus não terão a permanência necessária para gerar uma dinâmica própria capaz de empoderar seus elementos e processar coletivamente seus impulsos usinando programas replicadores (ou seja, unidades culturais imitáveis).

Mas aqui já entramos em outra proposição, segundo a qual localização não significa isolamento, mas um campo configurado com certo grau de estabilidade para permitir a conservação e a reprodução de uma mesma dinâmica endógena.


NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) O problema com o neodarwinismo é o darwinismo: diga-se o que se quiser dizer, um “meme” terrivelmente competitivo, quem sabe – como suponho – por ter olhado para a natureza com os óculos fabricados pela competição “selvagem” do capitalismo inglês do século 19 (a “selva”, aqui, era mais a “praça do mercado” do que as estepes e as florestas, enfim o habitát natural das espécies vivas). Com efeito, tentei mostrar em outro lugar que esse padrão de competição parece ter saído da sociedade para a natureza e não o contrário (cf. Capital Social. Brasília: Instituto de Política, 2001). Um bom antídoto contra a impregnação pela ideologia competitiva (ou uma “vacina” contra esse poderoso “vírus-meme” que, ironicamente, talvez pudesse ser chamado de ‘padrão competitivo a priori’) pode ser encontrado em Humberto Maturana e Lynn Margulis (para quem “a vida se apossa do globo não pelo combate e sim pela formação de redes”).
(2) Os interessados na extensa literatura sobre “memes”, devem ler Richard Dawkins (“O gene esgoísta”, 1976; “The extended phenotype”, 1982; “O relojoeiro cego”, 1986; e “Desvendando o arco-íris”, 1998), Daniel Dennett (op. cit., 1995; e também “Consciousness explained”, 1991), Richard Brodie (“Virus in the mind”, 1995) e Susan Blackmore (“The meme machine”, 2000). Mas existem vários outros investigadores interessantes. Vale a pena visitar o sites http://users.lycaeum.org/~sputnik/Memetics/index.html que contém uma boa lista intitulada “Memetics Publications on the Web” e o site http://jom-emit.cfpm.org/biblio que contém “A Bibliography of Memetics” atualizada porém até 1997).
(3) O próprio Dawkins admite como possível “um modelo “simbiótico” em vez de virulentamente parasita”. Em “Desvendando o arco-íris” (1998) ele cita o trabalho de Terrence W. Deacon (1997) “que faz uma abordagem da linguagem à luz dos memes... traçando a comparação com as mitocôndrias e outras bactérias simbióticas nas células. As línguas evoluem para se tornar boas em infectar os cérebros das crianças. Mas os cérebros das crianças, essas lagartas mentais, também evoluem para se tornar bons em serem infectados pela língua: coevolução mais uma vez”. Cf. Dawkins, Richard (1998). Desvendando o Arco-Íris. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Cf. ainda Deacon, Terrence W. (1997). The symbolic species: the co-evolution of language and the brain. New York: W. W. Norton & Company, 1997.
(4) Thompson, William Irwin (org.) (1987). “Prefácio” in Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo, Gaia/Global, 1990.
(5) Os “memes” como novos tipos de replicadores (para além dos genes) podem ser encarados como idéias, mas apenas grosso modo. Eles não são – como afirma Dennett (1995) – “as ‘idéias simples’ de Locke e Hume (a idéia de vermelho, ou a idéia de redondo, quente ou frio), mas o tipo de idéias complexas que se reúnem em unidades memoráveis distintas... unidades culturais mais ou menos identificáveis... [e essas unidades de transmissão cultural ou unidades de imitação] são os menores elementos que se replicam com confiabilidade e fecundidade”. Cf. Dennett, Daniel C. (1995). A perigosa idéia de Darwin: a evolução e os significados da vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
(6) Em “Memes, mentes e egos”, Susan Blackmore (1996) relembra que Dawkins “sugeriu que toda vida em toda parte do universo deve desenvolver-se pela sobrevivência diferenciada de entidades auto-replicadoras levemente imprecisas” (cf. http://www.memes.org.uk/lectures/mms.html#Minds-Memes-and-Selves). Daniel Dennett (1995) afirma que, “as linhas gerais da teoria da evolução pela seleção natural deixam claro que ela ocorre sempre que existem as seguintes condições: i) variação: há uma contínua abundância de elementos diferentes; ii) hereditariedade ou replicação: os elementos têm a capacidade de criar cópias ou réplicas de si mesmos; e iii) “aptidão” diferenciada: o número de cópias de um elemento que são criadas em um determinado tempo varia dependendo das interações entre as características desse elemento e as do ambiente em que ele subsiste. Observe que essa definição, embora baseada na biologia, não diz nada específico sobre as moléculas orgânicas, a nutrição ou mesmo a vida... Como Dawkins observou, o princípio fundamental é ‘que toda vida evolui pela sobrevivência diferenciada de entidades replicadoras...’ [Dawkins, 1976]” (op. cit.). Cf. Dawkins, Richard (1976). O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.
(7) Em “O relojoeiro cego” (1986), Richard Dawkins explica que “os replicadores de DNA construíram “máquinas de sobrevivência” para si mesmos – os corpos dos organismos vivos, incluindo nós mesmos. Como parte do seu equipamento, os corpos desenvolveram um computador de bordo – o cérebro. O cérebro desenvolveu a capacidade de se comunicar com outros cérebros por meio da língua e das tradições culturais. Mas o novo meio de tradição cultural abre novas possibilidades às entidades auto-replicadoras. Os novos replicadores não são DNA e não são cristais de argila. São padrões de informação, que apenas prosperam no cérebro ou em produtos fabricados artificialmente pelo cérebro – livros, computadores etc. Mas dado que o cérebro, os livros e os computadores existem, estes novos replicadores, a que atribuí a designação de memes para os distinguir dos genes, podem propagar-se de cérebro para cérebro, de cérebro para livro, de livro para cérebro, de cérebro para computador, de computador para cérebro. À medida que se propagam podem modificar-se – mutam. E talvez os memes “mutantes” possam exercer os tipos de influência que aqui designei por “poder replicador”. Não esquecer que este se refere a qualquer tipo de influência que afete a probabilidade de propagação própria. A evolução sujeita à influência dos novos replicadores – evolução memica – está ainda na infância... [mas] está se iniciando...”. O neodarwinista Dawkins não resiste à tentação de usar um padrão competitivo para explicar o fenômeno da chamada evolução cultural. “A evolução cultural – diz ele – processa-se a uma velocidade de uma ordem de grandeza muito superior à da evolução fundada no DNA, o que nos faz pensar ainda mais na idéia de “tomada do poder”... E se um novo tipo de tomada do poder replicadora está se iniciando, é concebível que parta para tão longe que deixará muito para trás o DNA seu progenitor... Se assim for, podemos estar certos de que os computadores estarão na vanguarda”. Doze anos depois (em “Desvendando o arco-íris”, 1998), Richard Dawkins iria retomar a comparação evocada pelo computador ao supor que “os genes constroem o hardware. Os memes são o software. A coevolução é que pode ter impulsionado a inflação do cérebro humano”. Ele estava procurando “inovações de software [como a linguagem] que poderiam ter iniciado uma espiral auto-alimentadora de coevolução software/hardware para explicar a inflação do cérebro humano”. Isso significa admitir que os “memes” (os softwares) podem ser capazes de produzir modificações neuroestruturais; ou – como aventou Dennett em 1991 – que “a própria mente humana é um artefato criado quando os memes reestruturam um cérebro humano para torná-lo um melhor hábitat para os memes”. Cf. Dawkins, Richard (1986). O relojoeiro cego. Lisboa: Edições 70, 1988.
(8) Ver o Capítulo 5 do livro de Rosnay, Joël (1995). O homem simbiótico. Petrópolis: Vozes, 1997 – sobretudo a seção “Democracia participativa e retroação societal” –; os livros de Pierre Levy (em particular “A inteligência coletiva” de 1994; op. cit.) e a literatura mais recente sobre ciberpolítica e democracia digital. Por exemplo, “Cyberdemocracy: technology, cities and civic networks” editado por Rosa Tsagarousianou et al. (London: Routledge, 1998); “Cyberpolitics: citizen activism in the age of the Internet” de Kevin Hill & John Hughes (Maryland: Rowman & Littlefield, 1998); “Digital democracy: discourse and decision making in the information age” editado por Barry Hague & Brian Loader (London: Routledge, 1999); e “Democracy in the digital age: chalenges to political life in cyberespace” de Anthony Wilhelm (New York: Routledge, 2000), entre outros.
(9) Em Capital social: leituras de Tocqueville, Jacobs, Putnam, Fukuyama, Maturana, Castells e Levy. Brasília: Instituto de Política, 2001.

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