23/05/2008

21 | LOCALIZAÇÃO EM DISPUTA

A localização está em disputa e essa disputa tenderá a pautar, em futuro próximo, os embates políticos dentro do Estado-nação.

Como globalização e localização são aspectos do mesmo processo de glocalização, os fatores que condicionam e possibilitam a localização são os mesmos que possibilitam a globalização, porém com uma diferença importante e relativa à forma como se apresentam e ao âmbito em que incidem.

Glocalização é o nome de uma mudança social que está ocorrendo em virtude da conjunção de vários fatores interdependentes: novo ambiente político mundial, inovação tecnológica, nova cultura correspondente a uma sociedade cosmopolita global, nova morfologia da sociedade-rede e novos processos democrático-participativos ensaiados sobretudo em âmbito local.

No âmbito global, o relevante em termos do novo ambiente político instalado depois da queda do Muro é a possibilidade aberta de democratização das relações internacionais. No âmbito local, todavia, isso se revela como uma possibilidade de democratização das relações políticas intralocais, interlocais, entre o local e o microrregional, o estadual, o nacional, o regional e, em suma, entre o local e o global.

Entretanto, no âmbito nacional, o comportamento do Estado-nação (que ainda domina o processo político nacional e infranacional), bem como o comportamento das instâncias de governo nacionais, estaduais e municipais, são decisivos para acelerar ou retardar a localização.

Sobretudo os dois últimos fatores listados acima – rede e democracia ensaiados em âmbito local – indicam que há um outro condicionante da localização: o ambiente político nacional. Com efeito, os agentes políticos nacionais ainda constituem interventores capazes de colocar obstáculos à glocalização – não tanto à globalização, mas à localização.

Por quê? Porque tais interventores, se não podem, no nível “macro”, refazer inteiramente o “clima” da guerra fria, impor uma regressão tecnológica, impedir totalmente o processo de transição para uma nova cultura correspondente a uma sociedade cosmopolita global, eles podem, por outro lado, dificultar a emergência de padrões de organização em rede e de modos de regulação democrático-participativos no nível “micro”.

Isso significa que a localização também está em disputa e essa disputa – conquanto seja, fundamentalmente, a mesma disputa que se trava em torno da glocalização – pode e deve ser olhada de outra maneira a partir da perspectiva local.

Do ponto de vista da localização, o melhor governo é, obviamente, aquele que deixa o protagonismo local se exercer. Portanto, quanto mais intervencionistas, verticalistas e centralizadores forem os governos, mais eles conseguirão colocar obstáculos à localização.

Também parece óbvio que, do ponto de vista da localização, o melhor governo é aquele que estimula o empreendedorismo individual e coletivo, encorajando pessoas e comunidades a enfrentarem seus próprios problemas da sua maneira. Assim, quanto mais paternalistas e clientelistas forem os governos, mais eles dificultarão o processo de localização.

Por último, pessoas e comunidades terão mais capacidade e mais possibilidade de ensaiar, em âmbito local, padrões de organização em rede e modos de regulação democrático-participativos, quanto mais respirável for o “ar” democrático no seu entorno. Logo, autocracias e democracias com alto grau de antagonismo e governos dominados por partidos impregnados por uma cultura adversarial constituem ameaças seriíssimas à localização. Governos cuja intervenção divide as sociedades locais em amigos x inimigos baseados em critérios político-ideológicos de alinhamento a programas e normas partidárias são forças reacionárias perigosas, capazes de atrasar em muito a revolução do local.

Evidentemente, sempre se pode lutar para eleger governos mais sintonizados com a localização. Não é por aí, todavia, que se processa a revolução do local. A rigor, não se trata de uma revolução política, em termos leninianos (do Lênin de 1901-1902, do “Por onde começar?” e do “Que Fazer?”), quer dizer, de um plano urdido e executado por um contingente centralizado de agentes. Por certo, a revolução do local tem seus agentes, mas, desse ponto de vista, ela é mais martoviana (do Martov que altercava sobre isso com Lênin no dealbar do século passado), é um processo ao invés de um plano. Muito mais do que isso, porém, ela é um processo descentralizado (a rigor, pulverizado), não de construção de um sujeito revolucionário mas de florescimento de miríades de experiências inovadoras que introduzem modificações no comportamento dos sujeitos que interagem em termos de competição e cooperação e que – dada a presença de padrões de organização em rede e de modos de regulação democrático-participativos – podem se amplificar “contaminando” o sistema como um todo. Tal processo é caótico, não porque seja – ou esteja condenado a ser – sempre desordenado e sim porque alcança padrões de ordem flexíveis e mutáveis, que se constroem e reconstroem continuamente e que, assim, não são impostos “de fora”, a partir de um modelo preexistente, mas emergem “de dentro”.

Desse ponto de vista, a solução não é ter governos “alinhados” com a localização, mesmo porque isso não é possível em virtude da própria natureza do Estado-nação, que sempre resistirá, em alguma medida ou de algum modo, a perder poder para níveis infranacionais. Bastaria ter governos comprometidos com a manutenção de um clima democrático e que adotassem um padrão de relação com a sociedade não-muito-inibidor das iniciativas locais, quer dizer: não-muito-intervencionista, não-muito-centralizador, não-muito-paternalista, não-muito-clientelista. Isso se revelaria na matriz de suas policies, sobretudo nas chamadas políticas públicas na área social.

Neste particular o fundamental é que sejam governos que não queiram voltar atrás, reeditando, por exemplo, políticas sociais que venho classificando como de “primeira geração”; ou seja: “Políticas de intervenção centralizada do Estado... para as quais: i) o Estado é suficiente; ii) os benefícios são uma espécie de concessão do poder e/ou de intermediação político-partidária, eleitoral ou institucional; iii) seus serviços não são encarados propriamente como direitos; e iv) a gestão governamental não é pública porquanto não é transparente, admite graus insuficientes de accountability e não incorpora – em uma dinâmica democrática – outros atores na sua elaboração, na sua execução, no seu monitoramento, na sua avaliação, no seu controle ou na sua fiscalização” (1).

Em qualquer caso, porém, deveriam ser governos que não pretendessem deter o monopólio do público e que não se acreditassem protagonistas únicos e exclusivos do desenvolvimento. Em suma, que não atuassem como se fossem suficientes. Em qualquer caso, portanto, será necessário contar com o comparecimento de outros atores não-governamentais, em um tipo de arranjo semelhante ao proposto por Claus Offe no capítulo anterior [ausente desta edição], ou seja, capaz de permitir a constelação de sinergias entre Estado, mercado e comunidade, mediadas pelo capital social produzido na sociedade civil.

Para entender esse ponto de vista é preciso admitir que a revolução do local não é uma revolução política nacional, não visa à substituição das elites no poder do Estado-nação. É uma revolução social stricto sensu, uma mudança no “corpo” e no “metabolismo” das sociedades.

Todavia, é preciso reabrir o debate sobre o que entendemos por mudança, transformação ou revolução em termos sociais, como será abordado na próxima seção.

O que se chamará de revolução social daqui a algum tempo serão os processos de mudanças de relações entre os diferentes tipos de agenciamento (ou seja, que alterem os padrões de relação entre Estado, mercado e sociedade civil ou comunidade). Isso tenderá a abalar o quadro institucional estabelecido. E envolverá luta na medida em que houver resistência às mudanças.

O Estado-nação resistirá à perda de poder diante da luta pelo maior protagonismo das localidades, que começarão a se subtrair ao seu domínio em uma série de setores de atividade, fazendo parcerias com outras localidades em prol de objetivos econômicos, sociais, políticos, culturais, ambientais e científico-tecnológicos comuns. Os poderes estatais locais também resistirão às iniciativas autônomas das sociedades civis locais, que tenderão, cada vez mais, a conformar-se como sociedades civis translocais.

Em suma, uma vez que isso seja possível, as comunidades se organizarão em torno da conexão local-global. E o velho Estado-nação, baseado em sua anacrônica capacidade de construir muros para exercer seu domínio a partir da separação, será confrontado pelo novo poder da conexão. Ora, tudo isso é parte do processo de localização.

E tudo isso significa, pelas evidências já percebidas atualmente, que a disputa em torno da localização tenderá a pautar, em futuro próximo, os embates políticos dentro do Estado-nação.

Tal será o rebatimento, no interior do Estado-nação, do que chamamos de revolução do local.


As posições políticas em disputa diante da localização

No primeiro capítulo, na seção que analisa as posições políticas diante da globalização, foram atribuídas algumas características à posição dos chamados glocalistas. O overlapping na posição política dos glocalistas com os reformadores institucionais, com os reformadores globais e com os radicais, dá origem a um campo de confluência que foi definido como sendo o dos democratas radicais (pós-liberais e pós-estatistas) (cf. Diagrama 2 [= ausente nesta edição]).

No entanto, tais definições foram tomadas a partir de posições e comportamentos políticos diante da globalização. Será necessário refazer o esquema, tendo agora como referencial a localização. Ainda que consideremos que a globalização e a localização são aspectos de um mesmo processo de glocalização, as ênfases (e, portanto, os fatores evidenciados) serão diferentes se mudarmos os pontos de vista (ver Diagrama 3 [= ausente nesta edição]).

Se, como vimos, o que se chamará de revolução social daqui a algum tempo serão os processos de mudanças de relações entre os diferentes tipos de agenciamento (ou seja, que alterem os padrões de relação entre Estado, mercado e sociedade civil ou comunidade), então o referencial para classificar as diferentes posições diante da localização – que parece ser, de fato, uma revolução social stricto sensu e não apenas uma revolução política feita “em nome” de uma revolução social, como veremos na próxima seção – é a ênfase conferida ao tipo de agenciamento que deveria ser predominante. Desse ponto de vista existem três grandes posições: a dos que privilegiam o mercado, a dos que privilegiam o Estado e a dos que privilegiam a sociedade civil (ou a comunidade). Ou seja, os neoliberais, os estatistas e os comunitaristas.

Todavia, na prática política os estatistas se dividem em três campos: o dos ‘estatistas de direita’ (compreendendo tudo aquilo que se possa chamar de “velha” direita, composta, entre outras, por forças políticas possuídas por visões míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas, como vários grupos fundamentalistas religiosos e laicos, os ideólogos dos complexos industriais e pós-industriais-militares e, ainda, uma boa parte dos chefes militares e dos aparatos de segurança, das correntes políticas nacionalistas e dos estamentos burocráticos e castrenses), o dos ‘estatistas de centro-esquerda’ (ou “novos” social-democratas) e o dos ‘estatistas de esquerda’ (os velhos trabalhistas de base corporativa e inspiração marxista, os “velhos” social-democratas e socialistas igualmente de inspiração marxista e, dentre estes últimos, os herdeiros não-renunciantes do leninismo). Os comunitaristas, por sua vez, também se dividem em dois campos: o dos ‘comunitaristas conservadores’ (ou velhos localistas), e o dos ‘comunitaristas inovadores’ (ou glocalistas, que são os novos localistas).

Como a localização é sempre uma comunitarização, talvez estes últimos pudessem ser melhor definidos pela denominação de ‘localistas’. No entanto isso poderia criar alguma confusão com os velhos comunitaristas conservadores, que são localistas em um sentido antigo e “fraco” e que não leva em conta o papel determinante da conexão local-global (e são, justamente por isso, antiglobalização). De sorte que parece mais adequado manter mesmo a denominação ‘glocalistas’ para designar os comunitaristas inovadores ou os novos localistas em um sentido “forte” do conceito de localização.

Pois bem. Neoliberais são radicalmente a favor da globalização e não seriam, em princípio, antilocalização, a não ser na medida em que tendem a não aceitar quaisquer orientações provenientes de outras esferas (e, portanto, inclusive as sociais) para o mercado, não se importando muito com a capacidade de autoregulação das comunidades (mas também a ela não se contrapondo quando se trate de outras esferas – extramercantis – da vida social). Estatistas são, em geral, antiglobalização e antilocalização, muito embora existam, entre estes, os que tendem a ser a favor da globalização ou da localização ou de ambas (uma parte dos estatistas de centro-esquerda) e os que são radicalmente contra as duas (os estatistas de esquerda e os estatistas de direita). Por último, como vimos, os comunitaristas, por definição a favor da localização, se dividem em dois grupos: os que são antiglobalização (os comunitaristas conservadores) e os que são a favor (os glocalistas).

Muito embora boa parte dos “novos” social-democratas sejam, em geral, a favor da globalização (os internacionalistas liberais e os reformadores institucionais da classificação de Held & McGrew), ainda não é possível divisar claramente as posições internas nesse campo de modo a definir os que são também a favor da localização. Um processo de desligamento da referência no Estado-nação está em curso neste momento no seio dos setores social-democratas de centro-esquerda, o que deverá levar parte destes setores a abandonar o ideário do estatismo social-democrata. Provavelmente, uma parte permanecerá estatista (os “novos” social-democratas anti-liberais), outra parte absorverá uma porção maior do ideário do liberalismo de mercado, mitigando suas “preocupações sociais” (os “novos” social-democratas anti-estatistas) e, outra parte, ainda, avançará para posições pós-liberais e pós-estatistas (talvez uma parte dos reformadores institucionais e uma parte dos transformadores globais da classificação de Held & McGrew), assumindo a tarefa de construir uma alternativa de radicalização ou democratização da democracia e fazendo, portanto, convergir suas posições com as dos glocalistas, ou melhor, com as de uma parte destes últimos.

E isso porquanto nem todos os glocalistas podem ser considerados como defensores da radicalização da democracia. Aqui também se encontra uma variedade de agentes, em um espectro amplo, que vai desde ambientalistas e ecologistas, passando pelos que participam de movimentos em prol dos direitos humanos e da cidadania, do feminismo, do ecumenismo e da tolerância cultural, pela paz mundial, pelo fortalecimento da sociedade civil e pela promoção do voluntariado, até os dedicados ao experimentalismo inovador que se desenvolve em torno de processos participativos de democracia em tempo real ou cyberdemocacy (envolvendo social networks e civic networks) e de processos de indução ao desenvolvimento integrado e sustentável, sistemas sócio-produtivos e de sócio-economia alternativa ou solidária ensaiados em escala local, muitos dos quais foram considerados como ‘radicais’ na classificação de Held & McGrew (2).

Conquanto a maior parte desses agentes já tenha se posicionado em relação às principais posições políticas em disputa diante da globalização e, muitos deles, já tenham optado, na prática, pela localização – o que justifica sua inclusão no campo dos glocalistas –, somente alguns poucos já lograram tematizar politicamente suas opções tendo como referência as duas filosofias públicas mais expressivas da atualidade – ou seja, o liberalismo de mercado e o estatismo social-democrata – de sorte a poderem se reivindicar, em conjunto, como democratas radicais (pós-liberais e pós-estatistas), ainda que existam, entre eles, os que assim já se identificam.

É preciso ver que os glocalistas não constituem propriamente uma posição política com perfil identificável, com o mesmo status, por exemplo, dos neoliberais e dos social-democratas (velhos ou “novos”). Compõem um campo extremamente diversificado, cuja maioria das posições não se expressa por intermédio de organizações e programas partidários ou baseadas em perfis ideológicos mais definidos. Pertencem, em boa parte, a iniciativas da sociedade civil de caráter público. São, portanto, em geral, sujeitos políticos de outra natureza. Qualquer tentativa de classificá-los, hoje, com as categorias utilizadas usualmente para mapear o espectro político-ideológico – como, por exemplo, as de “esquerda” e “direita” – se revelaria forçada.

No entanto, de um modo ou de outro, mais cedo ou mais tarde, os glocalistas vão acabar assumindo perfil ideológico mais definido à medida que os embates políticos começarem a ser pautados pela resistência do Estado-nação às pressões “de baixo”, provenientes da luta por maior autonomia para os níveis sub-nacionais. Localidades pequenas e grandes, metrópoles, cidades-médias e pólos regionais e, até mesmo, estados e regiões inteiras de um país tenderão a se opor aos ditames do Estado nacional, não propriamente em movimentos de cunho separatista, porém por mais liberdade para transacionar economicamente, empreender conjuntamente, celebrar parcerias para desenvolver programas e iniciativas governamentais e sociais, ambientais, culturais e científico-tecnológicos e, inclusive, adotar regulamentações, análogas ou recíprocas, que facilitem o intercâmbio em todas essas áreas, com outras localidades para além das fronteiras nacionais. Além disso, tenderão a aumentar, internamente, as reivindicações por uma maior descentralização das decisões e pela repartição mais equânime dos recursos provenientes da receita fiscal.

O velho Estado-nação, já fragilizado pela globalização, dificilmente resistirá a esse movimento emergente de suas unidades, ainda que possa, em certa medida, contê-lo e retardá-lo por algum tempo (que pode, inclusive, ser bastante longo). Portanto, como nada disso será feito sem luta, aumentará o lobby em favor do localismo, e seus argumentos e instrumentos serão cada vez mais elaborados e matizados política e ideologicamente. Parece ser inevitável, assim, que os glocalistas acabem assumindo um perfil mais definido do ponto de vista político-ideológico. E não é improvável que alguns partidos venham a endossar sua causa ou, mesmo, que surjam novos partidos com ela identificados.

Tudo isso será acompanhado pelo fortalecimento das sociedades civis locais e pelo crescimento do número de organizações do terceiro setor que não poderão ser controladas nem pelo poderes estatais centrais, nem pelos intermediários e, nem mesmo, pelos locais. Tecendo suas próprias redes, tais organizações estarão linkadas a organizações de outros países, com propósitos semelhantes ou convergentes, e farão parte, voluntária e conscientemente, da sociedade civil mundial.

Ora, é muito improvável que surja daí qualquer coisa como um “partido mundial da sociedade civil”, mas é bem provável que boa parte dessa sociedade civil mundial, tecida a partir da conexão local-global, formule objetivos, estratégias e programas congruentes com um ideário glocalista.

Retomando, mais uma vez, as categorias de Held & McGrew, não é difícil ver porque um ideário glocalista acabará se estabelecendo como uma referência importante para parte ponderável dos entes e processos que participam da emergente sociedade civil mundial.

Em primeiro lugar, parece óbvio que os princípios éticos norteadores capazes de inspirar miríades de organizações constituídas com base no voluntariado e, em grande parte, voltadas para finalidades públicas, não poderão ser os da liberdade individual (dos neoliberais) ou do interesse nacional (dos estatistas). Pela sua própria natureza (de rede) e pelo processo de sua formação (emergente), os nodos de uma sociedade civil mundial terão razões de sobra para apostar na capacidade da sociedade humana de gerar ordem espontaneamente a partir da cooperação. Mais do que isso, porém, tenderão a encarar os princípios de liberdade e igualdade não como atributos abstratos dos indivíduos ou como o resultado da aplicação de normas formais sancionadas por um poder central (nacional), mas como funções sistêmicas da participação (voluntária) na comunidade política.

Em segundo lugar, também parece óbvio que, para boa parte da emergente sociedade civil mundial, quem deverá governar, no futuro, não são os indivíduos por meio de trocas de mercado, nem os aparatos estatais-nacionais (“mínimos” ou não) e sim as pessoas, por meio de comunidades que se autogovernam e por meio de mecanismos de governança em múltiplas camadas articulando o local (em diversos níveis) e o global.

Em terceiro lugar, no que tange às reformas essenciais, não se trata de priorizar uma eliminação das organizações estatais burocráticas para favorecer a desregulação dos mercados (como querem os neoliberais) nem, por outro lado, apenas de fortalecer a capacidade estatal de governar (como querem os estatistas). Tudo indica que a reforma essencial prioritária, para boa parte das organizações de uma sociedade civil mundial, deverá ser a reforma do padrão de relação entre Estado e sociedade com o fito de buscar sinergias ou interações construtivas com os outros dois principais tipos de agenciamento: o Estado e o mercado.

Em quarto lugar, a forma desejada de globalização não será inspirada pela ideologia do globalismo econômico – ou seja, mercados livres globais “corrigidos” por redes de proteção social para os que não conseguirem ser incluídos “naturalmente” pela dinâmica da economia – (como preconizam os neoliberais) e nem poderá ser vista como uma “globalização” que reforce a capacidade dos Estados nacionais, os quais deveriam implementar arranjos geopolíticos eficazes para garantir esse intento (como imaginam os estatistas). A maior parte da sociedade civil mundial que se contrapõe à globalização, se contrapõe, na verdade, à ideologia do globalismo econômico e tem tudo para aderir à idéia da formação de uma nova sociedade cosmopolita global (planetária) como uma rede holográfica de miríades de comunidades (sócio-territoriais e virtuais – subnacionais e transnacionais) interdependentes.

Por último, em quinto lugar, a modalidade de transformação política mais desejável por entes e processos de uma sociedade civil mundial não será, por certo, aquela que prevê uma minimização da regulação burocrática para favorecer a criação de uma ordem internacional baseada no livre mercado (pregada pelos neoliberais) e nem a velha reforma estatal e geopolítica (dos estatistas) e sim o empoderamento molecular das populações, o fortalecimento da sociedade-rede, a transformação glocalizante da forma atual do Estado-nação (rumo ao Estado-rede); em suma, a revolução do local como revolução planetária/comunitária em direção a uma “ecumene planetária”.

NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Cf. Franco, Augusto (2003): “Três Gerações de Políticas Sociais” in Aminoácidos 5; Brasília: AED, 2003; ou em http://www.augustodefranco.org/conteudo.php?cont=textos&id=P117
(2) Cf. Texto 2.

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