23/05/2008

1 | GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO

O fenômeno da globalização é separável da ideologia mercadocêntrica que acompanhou as primeiras tentativas de conceitualizá-lo.

Embora o termo ‘globalismo’ já figure no dicionário Webster desde 1943 e embora a idéia de que vivemos em uma “aldeia global” tenha sido introduzida, para captar o impacto das novas tecnologias de comunicação em nossas vidas, por Marshall McLuhan, em 1962 (no livro “A Galáxia de Gutemberg”), a palavra ‘globalização’, com a sua conotação atual, foi utilizada pela primeira vez em 1983, por Theodore Levitt, em um artigo de dez páginas intitulado “A Globalização dos Mercados”, publicado pela Harvard Business Review (em 1o de maio de 1983). No entanto, Levitt não poderia ter, àquela época, a dimensão plena do fenômeno que hoje chamamos de globalização. Ele estava detectando um importante sinal: a convergência dos mercados do mundo. “Em todas as partes” – escreveu Levitt – “a mesma coisa é vendida e da mesma forma” (1).

Mas conquanto Levitt tivesse introduzido o termo ‘globalização’ em 1983, ele só foi popularizado em 1990, com a publicação do livro “O Mundo Sem Fronteiras: Poder e Estratégia na Economia Interligada”, de Kenichi Ohmae (2).

É significativo que tanto o introdutor do tema quanto o seu principal divulgador tenham encarado o fenômeno do ponto de vista da racionalidade mercantil. Também é significativo que ambos pareciam estar especialmente interessados em extrair, das novas tendências que lograram perceber, orientações para a gestão empresarial e para o marketing. O livro de Ohmae, por exemplo, tinha como subtítulo: “Lições de gerenciamento na nova lógica do mercado global”. Ohmae acreditava que a globalização constituía uma nova etapa no desenvolvimento das multinacionais. Ele imaginou que as multinacionais acabariam evoluindo para formas de gestão integrada em escala mundial e que isso as levaria a estabelecer, segundo seus próprios interesses, as novas regras do jogo global, tornando obsoleto inclusive o papel do Estado-nação. Com efeito, em 1995, Ohmae lançou outro livro (“O Fim do Estado-Nação”), que tinha como subtítulo: “Como o Capital, as Corporações, os Consumidores e a Comunicação estão reformatando os mercados globais” (3).

Fomos, assim, como já assinalei, apresentados ao tema (e/ou introduzidos na problemática) da globalização a partir de pontos de vista ou totalmente ou predominantemente mercadocêntricos.

Evidentemente, vários pesquisadores logo descobriram que o fenômeno era muito mais complexo do que simplesmente uma globalização dos mercados. Entretanto, a maior parte dos que escreveram sobre o tema na primeira e até, às vezes, na segunda metade da década de 90 ainda conferiam um peso bastante destacado ao fator econômico, talvez porque, juntamente com o processo de globalização em si, ocorria também, como fenômeno acompanhante, a emersão de uma ideologia (e de uma euforia) mercadocêntrica.


Globalismo, globalidade e globalização

Ulrich Beck, por exemplo, em 1998 (em “O que é globalização?”), fez uma distinção entre globalismo, globalidade e globalização. Globalismo seria a ideologia do domínio (mundial) do mercado (sobre as demais esferas da realidade social), ou seja, o neoliberalismo (correspondendo mais ou menos ao que eu chamo de perspectiva mercadocêntrica ou mercadocentrismo). Globalidade se referiria ao reconhecimento de que já vivemos em uma sociedade mundial, na qual há diversidade sem unidade – uma realidade irreversível, segundo ele, em virtude da conjunção de vários fatores ou motivos. Globalização, por sua vez, seria uma denominação genérica para os processos pelos quais os Estados nacionais sofrem a interferência cruzada de atores transnacionais em todos os campos (soberania, identidade, redes de comunicação, chances de poder e orientações políticas). A globalização seria, assim, uma “sociedade mundial sem Estado mundial e sem governo mundial”, uma nova forma global de capitalismo, desorganizado, na qual “não há poder hegemônico ou regime internacional econômico ou político”. Por isso, a globalização desencadeia um movimento contrário de defesa do Estado (social ou nacional) contra a invasão do mercado mundial (4).

Ora, se reconhecemos que existe uma realidade social objetiva (chamada de “globalidade”, como quer Beck, ou, simplesmente, de “sociedade cosmopolita global”, como prefere Giddens), então é óbvio que o fenômeno da globalização é separável da ideologia mercadocêntrica (globalista em termos econômicos ou neoliberal) que acompanhou as primeiras tentativas de conceitualizá-lo.


NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Levitt, Theodore (1983). “The Globalization of Markets” in Harvard Business Review (May 1, 1983).
(2) Ohmae, Kenich (1990). The Borderless World. New York: Harper & Row, 1990.
(3) Ohmae, Kenich (1995). O fim do Estado-Nação. Rio de Janeiro: Campus, 1996 (orig. The End of the Nation State: How Region States Harness the Prosperity of the Global Economy. Free Press, McMillan, Inc., May 1995).
(4) Beck, Ulrich (1998). O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Um comentário:

Newton Almeida disse...

Gostei, muito bem escrito ! Depois vou ler outras postagens com atenção.
Sobre o termo Globalização, simplifico conceitualmente :
é o aumento da velocidade das trocas de mercadorias e informações entre os países do mundo, permitido pelo desenvolvimento das redes de transporte e telecomunicações .
Portanto, a globalização transforma o mundo na aldeia global, ou seja, as distâncias não são mais barreira para a integração mundial. Prefiro ver a globalização como uma oportunidade de afirmar as particularidades culturais, pois atualmente é maior a facilidade de conhecê-las . A manutenção da cultura local é possível e pode ser facilitada pela comparação com as outras. Agora, sabemos que a globalização surge em consequência do objetivo de se alcançar maiores mercados econômicos,pelo avanço do capitalismo, tanto para produtos físicos como para produtos informacionais .
Eu acho que o grande monstro, que emerge da globalização é o MERCADO FINANCEIRO . A sua ampla liberdade é o perigo iminente do capitalismo. O Mercado Financeiro é o lado sombrio e perigoso da GLOBALIZAÇÃO .
Newton Almeida MEIO AMBIENTE RIO DE JANEIRO http://limpezariomeriti.blogspot.com