23/05/2008

15 | LOCALIZAÇÃO E 'TAMANHO DO MUNDO'

O local é necessariamente o pequeno, mas não no sentido territorial ou populacional e sim no sentido daquilo que foi tornado pequeno por força de alta “tramatura” social.

A assertiva acima diz que o local é necessariamente o pequeno. Ora, isso parece estar em contradição com o que escrevi há três anos, em “Por que precisamos de desenvolvimento local integrado e sustentável”. Naquela ocasião afirmei que “a palavra ‘local’... não é sinônimo de pequeno e não alude necessariamente à diminuição ou redução. O conceito de local adquire, pois, a conotação de alvo socioterritorial das ações e passa, assim, a ser retrodefinido como o âmbito abrangido por um processo de desenvolvimento em curso, em geral quando esse processo é pensado, planejado, promovido ou induzido” (1). Neste sentido, afirmei ainda que “de certa maneira, todo desenvolvimento é local, seja este local um distrito, um município, uma microrregião, uma região de um país, um país, uma região do mundo” (2).

Minha investigação dos últimos anos, entretanto, vem revelando que o local é necessariamente o pequeno, mas não no sentido territorial ou populacional e sim no sentido daquilo que foi tornado pequeno por força de alta “tramatura” social.

Como chegamos a isso? Vou tentar mostrar em seguida, de modo resumido por questões de espaço – o que, freqüentemente, ao invés de simplificar, acaba complicando.

Vimos nas seções anteriores que o processo de glocalização se confunde com com o processo de surgimento da sociedade-rede. A mesma configuração de fatores que permite que distantes localidades se tornem interagentes também possibilita que os elementos endógenos de cada localidade se tornem igualmente interagentes, o que significa que as novas condições sociais que, no plano mundial, possibilitaram que tal configuração tenha se conformado – por exemplo, que permitiram que tecnologias telemáticas tenham se desenvolvido em uma determinada direção (‘molecular’ para além de ‘molar’, para usar as expressões de Levy) – também podem incidir dentro de cada localidade. É nesse sentido que falo de glocalização como globalização do local.

O mais importante aqui, porém, é o outro lado da moeda, ou seja, é a constatação de que a globalização do local é uma localização do global (como comentaremos mais adiante). Isso significa, em primeiro lugar, que a conjunção particular de fatores que possibilita a globalização também possibilita a localização. E, em segundo lugar, que a localização diminui o tamanho do mundo, torna o mundo um local, torna qualquer mundo – qualquer realidade socioterritorial ou virtual, independentemente do número e do tamanho de seus elementos componentes e da distância entre eles – um mundo pequeno. Daí porque local é, nesse sentido, sempre um ‘mundo pequeno’, aquilo que alguns teóricos que trabalham com análise de redes estão chamado de SWN (small-world networks).


Rede e hierarquia

O que caracteriza fundamentalmente uma rede é a existência de caminhos múltiplos. Forçando um pouco a intenção do conceito e estabelecendo um paralelo geométrico, poder-se-ia dizer que, se uma rede é uma coleção de nodos ligados por muitos caminhos (ou um conjunto de vértices interconectados por muitas arestas), uma hierarquia é um caso particular de rede caracterizado pela existência do menor número possível de caminhos (ou uma linha quebrada que, conquanto possa ter múltiplos vértices, nunca chega a formar uma figura geométrica fechada). Neste sentido uma hierarquia “máxima” (ou uma organização com o máximo grau de hierarquização) poderia ser vista como um conjunto de nodos (vértices) conectados por caminhos únicos.

Se existissem apenas dois elementos no mundo, hierarquia seria igual a rede, porque o número de caminhos possíveis entre tais nodos seria o menor número possível de caminhos, ou seja, apenas um caminho pelo qual uma mensagem pudesse se propagar de um nodo ao outro.

Todavia, em um mundo com três ou mais elementos, enquanto no padrão de organização hierárquico (“máximo”) uma mensagem emitida de um nodo a qualquer outro só pode se propagar através de um mesmo caminho, no padrão de organização em rede tal mensagem pode se propagar através de vários caminhos diferentes.

Em um mundo de três elementos (A, B e C), por exemplo, esse padrão hierárquico permite que uma mensagem emitida por A chegue a B (ou a C) somente por um caminho: o caminho AB (ou ABC). Todavia, se estes três elementos estiverem organizados segundo um padrão de rede (com A, B e C figurando como os vértices de um triângulo) podemos ter o dobro de caminhos: AB e ACB (ou AC e ABC). Enquanto na hierarquia o número máximo de caminhos diferentes possíveis entre todos os nodos é igual a 3 (AB, BC e ABC), na rede o número máximo de caminhos possíveis é igual a 6 (AB, BC, ABC, AC, ACB e CAB).

Em um mundo de quatro elementos (A, B, C e D), o padrão hierárquico (“máximo”) permite que uma mensagem emitida por A chegue a B (ou a C ou a D) somente por um caminho: o caminho AB (ou ABC, ou ABCD). Mas se esses quatro nodos estiverem conectados em um padrão de rede, com o número máximo de conexões possíveis (com A, B, C e D figurando como vértices de um quadrilátero, incluindo as duas conexões diagonais), teremos cinco vezes mais caminhos entre um nodo e qualquer outro: se se trata, por exemplo, de fazer uma mensagem proveniente de A chegar a D, então essa mensagem pode percorrer cinco caminhos diferentes (AD, ABCD, ACBD, ABD e ACD). No primeiro caso, da hierarquia (no grau “máximo” de hierarquização), o número de todos os caminhos possíveis é igual a 6, enquanto no segundo caso, da rede, teremos um máximo de 30 caminhos, ou seja, cino vezes mais.

No caso de uma hierarquia de quatro elementos teremos como caminhos possíveis apenas seis caminhos: AB, BC, CD, ABC, BCD e ABCD. No caso de uma rede de quatro elementos, teremos no máximo: AB, BA, BC, CB, CD, DC, DA, AD, AC, CA, BD, DB, ABC, ABD, ACB, ACD, ADC, ADB, BAD, BAC, BCD, BCA, BDA, BDC, CAB, CAD, CBA, CBD, CDA, CDB, DAB, DAC, DBC, DBA, DCA, DCB, ABCD, ABDC, ACBD, ACDB, ADBC etc. ... até DABC, DACB, DBCA, DBAC, DCBA, DCAB – totalizando 60 combinações de 2, 3 e 4 elementos, as quais, divididas por 2, uma vez que um caminho AB é igual ao caminho BA (ou seja, as conexões são transitivas), resultarão em 30 caminhos diferentes .

Do ponto de vista do padrão de organização, o que chamamos de ‘tamanho do mundo’ é dado não apenas pelo ‘número de elementos’ do mundo ou pela ‘distância’ entre tais elementos, mas pelo ‘número de conexões possíveis’ entre eles. Abstraindo a questão da distância (o que já pode ser resolvido praticamente pela conexão telemática, em tempo real, que significa a mesma coisa que conexão sem-distância), para dois conjuntos com o mesmo número de nodos, podemos ter mundos de tamanhos muito diferentes, se tais nodos estiverem conectados segundo um padrão de rede ou segundo um padrão hierárquico.

No caso do último exemplo acima, a rede com um número máximo de caminhos torna um mundo de quatro elementos (nodos) cinco vezes menor do que a hierarquia (com um número mínimos de caminhos).

É fácil mostrar que, no caso de termos cinco nodos, a rede mais tramada possível produz, em relação à hierarquia, um “encurtamento” de 16 vezes no mundo. Em outras palavras, um mundo com cinco elementos conectados segundo um padrão de rede (com o número máximo de conexões) é um mundo com 16 vezes mais caminhos do que os estabelecidos na hierarquia (com o número mínimo de conexões, quer dizer, nunca mais do que duas conexões para um nodo). Enquanto na hierarquia teríamos apenas dez caminhos entre todos os nodos, na rede teríamos algo como 160 caminhos. E, enquanto na hierarquia (“máxima”) uma mensagem emitida de um nodo só dispõe de um mesmo caminho para chegar a outro nodo qualquer, na rede ela possui 16 caminhos diferentes.

No caso de uma rede de cinco nodos (A, B, C, D e E), os caminhos possíveis diferentes entre um nodo e outro nodo qualquer (por exemplo, entre A e E) totalizam 16 possibilidades (AE, ABE, ACE, ADE, ABCE, ABDE, ACBE, ACDE, ADBE, ADCE, ABCDE, ABDCE, ACBDE, ACDBE, ADBCE e ADCBE). Isso produz 160 caminhos diferentes entre todos os nodos da rede. Se os cinco nodos estivessem organizados em um padrão hierárquico teríamos apenas um caminho possível entre A e E e apenas 10 caminhos diferentes possíveis entre quaisquer nodos.

Da mesma forma, em um mundo de seis elementos, enquanto a hierarquia (“máxima”) estabelece como possíveis apenas 14 caminhos, a rede com número máximo de conexões permite pouco menos de mil caminhos diferentes (precisamente 910, se meus cálculos estiverem corretos). Isso significa que, em um mundo de seis elementos, se tais elementos estiverem conectados em rede com grau máximo de conexão (cada nodo conectado aos outros cinco) existem 65 caminhos diferentes entre dois nodos, 65 maneiras diferentes de fazer uma mensagem chegar de um nodo a qualquer outro. A rede mais tramada de seis nodos cria um mundo 65 vezes menor do que a hierarquia de seis nodos.

Analogamente ao caso anterior, em uma rede de seis nodos (A, B, C, D, E e F), teremos 65 possibilidades de fazer uma mensagem emitida por um nodo (por exemplo A) chegar a outro nodo qualquer (por exemplo F) – ou seja, teremos 65 combinações de 2, 3, 4, 5 e 6 elementos começando em A e terminando em F – e, assim, teremos 910 caminhos possíveis entre todos os nodos da rede. Se esses seis elementos estivessem conectados segundo um padrão hierárquico teríamos apenas uma combinação começando em A e terminando em F e apenas 14 caminhos diferentes possíveis dentro do conjunto.

Tudo isso significa que duas localidades com o mesmo número de habitantes podem ter tamanhos de mundo completamente diferentes na medida em que a ‘extensão característica de caminho’ (ou seja, o número de “estações” ou intermediações que são necessárias, em média, para fazer uma mensagem chegar de um nodo qualquer a outro qualquer) de cada uma delas for diferente. Uma cidade sumeriana de 2 mil habitantes com toda a certeza seria muitas vezes maior do que um subúrbio novaiorquino atual de mesma população.

Ainda não temos uma equação que permita calcular o ‘tamanho do mundo’ do ponto de vista do padrão de organização, mas já podemos prever que o fator ‘conectividade potencial’ nesta equação (ou seja, o número de caminhos possíveis entre os nodos) tem um peso muito maior do que os fatores ‘tamanho dos nodos’, ‘número de nodos’ e ‘distância entre os nodos’ (3).

Assim, pode-se supor que uma cidade sumeriana de 2 mil habitantes (como Uruk, sobretudo a Uruk do início do terceiro milênio, da invenção da escrita, das muralhas colossais e do zigurate dedicado ao supremo AN) seria um mundo muito maior do que, por exemplo, todo o Silicon Valley atual. Por quê? Porque (essa) Uruk, do ponto de vista do padrão de organização, era uma cidade-Estado-Templo rigidamente centralizada e verticalizada, onde as pessoas eram separadas por graus de poder e dispostas como os degraus de uma escada (não por acaso os zigurates eram pirâmides feitas de escadas) – ou seja, Uruk era a materialização de uma hierarquia, de uma ordem (arché) sacerdotal (hieros), e também não é por acaso que “sagrado” na língua sumeriana tinha o mesmo sentido de “separado”. Isso significa que o acesso de uma pessoa a outra era muito mais difícil em Uruk do que em Silicon Valley, onde, de repente, um pesquisador de uma empresa e o dono de uma outra empresa concorrente almoçam no mesmo restaurante e sentam-se à mesma mesa várias vezes por mês (coisa que não poderia mesmo ocorrer em Uruk, mas que também não ocorre, por exemplo, nos e entre os Keiretsu japoneses atuais). Ou seja, em Silicon Valley existem mais redes sociais do que em Uruk e, assim, o mundo da primeira é muito menor do que o mundo da segunda, não obstante o seu território ser muito maior e o seu número de habitantes idem.

Isso significa que, do ponto de vista do padrão de organização, o local não-globalizado pode ser um mundo até maior do que o mundial (no sentido de planetário) globalizado. E que globalização do local tende a ser igual a localização do global. O mundo estará totalmente globalizado quando estiver totalmente localizado. E que, assim, o local conectado é o mundo todo. Comentaremos isso tudo mais adiante.


NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Franco, Augusto (2000). Por que precisamos de desenvolvimento local integrado e sustentável. Brasília: Instituto de Política, 2000.
(2) Idem.
(3) Vale a pena ler os textos do jovem pesquisador Duncan Watts, sobretudo Small worlds: the dynamics of networks between order and randomness. New Jersey: Princeton University Press, 1999 e Six degrees: the science of a connected age. New York: W. W. Norton & Company, 2003.

Um comentário:

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